sábado, 21 de setembro de 2013

O Abieiro e a Senhorinha Faladeira

Por Zé Lins

O abiu é, em definitivo, a mais formidável iguaria criada pela Senhora Natureza. Essa coisa de “docinhos”, melados e outros quitutes de açúcares mal ou bem fabricados, parecem ninharias frente aquela doçura divina, que de tão bom tranca a língua mesmo das mais rebeldes faladeiras, sem contar que os velozes faladeiros quase sempre se furtam a provar essa majestosa iguaria, isso para não perderem a matraquice do bem falar. 


Essa doçura somente habita nossos recantos, nos quintais perenes de nossas ruas. Especialmente no quintal de minha casa habitam alguns desses seres formidáveis. Julgo, muito modestamente, filhos da minha risível capacidade de plantio. Algo herdado, diria eu, daquele bom mulato, pouco falante e quase sempre viajante: um sonhador da terra. 

Meus abieiros seriam de pouca importância se por lá não tivesse passado uma faladeira indelével, cheia de francas ideias e sorrisos sem igual. Sempre impossível a deleitar ideias sobre tudo e a me chamar atenção sobre a natural doçura do mundo. Essa formidável faladeira se calava instantaneamente ao fluir na liquidez do suculento abiu. 

Antes do “gruda boca”, resiliência de um cuidado natural que tudo que é bom não dura para sempre, ela me contava dos quintais de outra época, aqueles de sua meninice, os de antiga honra, que eram habitados por centenas de “trancas bocas” e, por isso, aquela gente era mais escultadeira que essa gente de hoje. Falava, antes que a doçura a tornasse mais doce que o doce Mar, o quanto a enchia de prazer aquele fruto do meu quintal. 

A técnica de degustar o “gruda boca” é parecida com a boa técnica que as senhoras comedoras de caranguejo conhecem: o bicho, após tratado no louro e cheiro verde, é suavemente “espancado”, expondo sua fabulosa carne. O abiu necessita de técnica parecida: a suavidade de sua pele tem que ser rompida por um golpe certeiro, mas suave, para não esparramar em toda gente o acre doce e dividir com todos o prazer de se calar e somente curtir os sonhos do paladar.

Minha senhorinha tinha essa técnica no arfar. Faladeira como já falei, parava e mais se encantava, ao apreciar essa criadice da mãe natureza. Resta ali no meu bom quintal meus abieiros, frutando saudosos em homenagem a minha agora somente encantada faladeira. 

Para Sandra, Rosa, Naza, Rose, Clau e Jose, sabendo da dor, mas com a doçura da lembrança de nossa velhinha. Para os meninos faço uma poesia que depois eu mando.

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