sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Efemeridade


A crônica policial é rica da “miséria humana”, ao mesmo tempo que expressa com enorme vigor a nossa contemporaneidade. A aproximadamente um mês (02/12), um garoto que retornava da escola foi alvejado por “bala perdida”. Muito ainda tem que se contar sobre os atos falhos policialescos, muito se tem que contar sobre os trajetos de vidas interrompidas pela relação entre segurança pública e concentração da renda e da riqueza no Pará e no Brasil. Segue em forma poética os traços do que eu vi naquele crime social:



Peteca, bola, escola
na rua um petisco,
em casa uns mimos.

Menino levanta,
hora da aula,
toma café com bolacha Maria,
reclama para mãe: mais uma fatia!

Moleque que chuta lata,
no caminho da escola.
Na mochila figurinhas pro bate-bate,
dois cadernos e um lápis
para o encanto das primeiras letras!

Na escola as primeiras amizades,
a merenda no recreio,
a bolinha de papel,
pira-cola a granel.

Dona Raimundinha na chamada,
gritava alto: Presente! Tou aqui! Olha aqui!
Professora sou eu!

Na volta,
pé sobre pé,
fome danada apressa meada!

Ao longe buzinas,
freadas armadas,
gritos cortantes
somente uma bala!

Calado, caído sem alma
sorriso fechado,
sem sonhos ou espera:
era João, Fernando ou José.

sábado, 3 de julho de 2010

Futebol e Fantasia

A fantasia sempre foi necessária, como encanto e despreendimento de nossas almas. O futebol é mais que esporte no Brasil, é arte e fantasia necessária.
O que falar um dia após a dramática incapacidade de reação do time nacional, a “pátria de chuteiras” se desfez melancólica, frágil e abobalhada. Procurar culpados sempre é o caminho dos verdugos e velhos comentaristas de todas as diversas imprensas, mas na real a temperança nacional não foi capaz de reagir ao placar adverso. Com certeza a imaturidade do técnico, a fraqueza fisica dos jogadores, que jogam muito e bem no primeiro tempo, mas no segundo caminham em campo, tudo colaborou.
As vozes da fantasia nacional se calaram, país que numa sexta-feira se inflamava e se preparava para festividade, num momento de desencanto silenciava, resta o consolo de que nossa matéria-prima mais valiosa é o futebol no sangue e a paixão na alma.

terça-feira, 29 de junho de 2010

LIVROS

LIVROS são seres mágicos, produtos de infinita ânsia e de permanente orgulho pessoal. Muitos pouco valor coletivo possuem, porém todos acalentam as almas mais diversas. Eis como encará-los:


Paralisado eu os olhava,
Entediados me encaravam,
Os via enfileirados,
Performáticos, incólumes a minha frente.


Não ousava os falar,
Somente os encarava,
Em frente a minha atenção, aos poucos,
Desfaziam-se.


Em gritos me chamavam,
Assinalando nossas buscas.
Paralisado me detive,
Sobre o querer e o saber,
Angustiado vomitava.


As vozes roucas, sigmáticas dos livros
Alucinavam-me.
Nada mais pronunciei.

SONHOS

À Saramago, uma homenagem:


Os sonhos permanecem estranhos:

Ontem me vi estirado no chão,

sobre a terra caído com a boca aberta.


Naquela forma me olhei pálido, incolor,

surpreendetemente ausente de cor.

Na estridente compreensão me vi morto.


A ausência de vida se desfez

quando o corpo incolor e indolor tamborilou,

repercutiu sobre o chão três pontos de pensar:

andar em conta;

sonhar em sonda;

afundar em sombra.


A sedimentação alienada se retirou,

incompreensível a forma oculta se espichou,

sobre o ataúde, o corpo informe cantou, encantado

no mar ou na lua

entrincheirado na guerrilha surda

cantou e calou.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

Cantar em palavras a alegria do mar, se desfazer em idéias e destoar do ruidoso poder, talvez assim seja José Saramago. Na lingua materna, de tantas formas diretas e de tanto alquebrar.
Nos dizeres de "Caim" ou na proeza dos "Ensaios sobre a cegueira", a descoberta da ficção e da prosa automática, sussurra a invicta impossibilidade dessa lingua estranha e tão poética.
Que nos viva um milhão de séculos Saramago!

terça-feira, 15 de junho de 2010

Minutos

O tempo é sempre melancólica melodia, seu sussurro sempre nos enche de permanente tédio. O tempo, também é verdugo maldito, sempre querente do nosso viver. O tempo, porém, é preciso senhor, seus ditos são exatos, seus enganos certeiros. Driblar tal exatidão somente com a força do sonhar e a eloqüência do viver:

MINUTOS

Minutos ecoam num batimento cardíaco,
Sons sussurram,
Minutos que passam,
Minutos alisam o tempo verdugo,
Minutos ressoam no divagar das pessoas.

Tempo, tempo, minuto a minuto!
Escorrem sobre a vida e a morte,
Minutos do nada,
Minutos quebrados,
Minutos desastre,
Minutos desfeitos,
Minutos.

sábado, 29 de maio de 2010

À Tavernard

Antonio Tavernard nasceu, viveu intensamente e teve morte breve nessa nossa terra de além mar, segue homenagem ao "maldito" para’wara!

Como são os poetas,

esses cães ferinos!

Somente a meia-noite acordam

e ao meio-dia repousam.
 


Como são calhordas

esses poetas flostriacos,

nunca dormem ou sonham,

somente combinam fanfarras.



Como são ferinos

com suas idéias bandidas,

Com a chantagem à vista,

a modorra do espírito e a sua maldizente língua.



Como são conspícuos

esses poetas de antros.

Forjam idéias fortuitas e assinam longas listas casuais.


Como são os poetas, esses cães bandidos.



Em homenagem a Tavernard (“O maldito”)

AEconomia

Os economistas se gabam de serem parte de uma das poucas confrarias de "cientistas sociais", a base dessa fetichização encontra-se na "quimérica" forma de enxergar a realidade a partir de retas e pontos de equilíbrio. A dívida pública e o equilíbrio orçamentário podem ser aludidos nos seguintes dizeres:

Os déficits bárbaros sussurram

sobre químicas de equilíbrios distantes,

superávits se acumulam sobre as pálpebras dos tempos vazios,

quimeras numéricas se enaltecem sobre os limites dos dividendos,

contai, cantai
subtrais, submetes

Sobre as pálpebras do empolgado equilíbrio orçamentário.

Eis o orçar, fundar, fundir
Eis às equações do incontestável desequilíbrio,
desfazer a alienação, refazer a vida,
perfazer o encanto e reencontrar o dia.
Desfazer o equilíbrio,
reencontrar o contrário,
de contra o capital

Eis o mar.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Tecnologia

Prezados, após algum tempo retorno trazendo um elemento próprio da condição humana. Segue uma forma de olhar a tecnologia, boa leitura:

Eis que chegou a última tecnologia alucinante,
fruto das penúltimas metáforas.
Chegou ontem a lancinante tecnologia
como frondosa não-teoria.

Entre as setas de suas indicações via-se os cortantes
estrempidos das vociferantes invenções.
Nada percebi até a sua chegada,
maravilhosa eloqüência da
minha perdida expressão.

Não era mais humana a última tecno do milênio,
não ressoava mais grunhidos de alguma língua perdida ou
de alguma humanidade desfeita.

Ontem, finalmente, enxerguei a última tecnologia do milênio,
sangrava sobre sua própria forma a expressão de pontilhar
do resto das palavras em um dialeto inumano.

Era ontem meu necessário entender da humanidade morta,
da TÉCNICA nova.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Diarréia Amazônica

Antes de tudo o pensar era crônico, sem sentenças nem nada.
O pensar era o querer, desenvolver era o nada.
Fez então Deus sua criação: que se faça a bosta, e ela se fez.
No momento seguinte, ao abrir-se o amplo mar de bosta, Deus pensativo indagou: " é necessário um ser coerente com esse mar de bosta; fez, então, sua sua seguinte construção: que se crie um amontoado de bestas andantes, sobre duas patas e sempre peidantes de novas impossibilidades.
Assim Deus, incrédulo de si mesmo, divagando no seu mar de merda criado, abismado de criar tão flatulentes seres, caiu em enorme depressão.
Ao morrer, suspirou, entre tanta merda feita, que ao explodir produziu tantos outros universos!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Inundação

A poesia que segue é, como tantas outras de gente daqui, marcada pelo pulsar das águas. O que infelizmente, pela pobreza econômica histórica, pela disfunção de nossas elites bestiais e pela ausência de muitos anos de planejamento para o desenvolvimento torna, como diz o poeta "nossa cidade triste". Boa leitura:


Chove copiosamente sobre Belém,
alagando as almas e inudando desejos,
Chove sofregamente numa cidade triste,
desfazendo aos poucos velhos quereres,
contradizendo antigas expectativas,
deixando o rastro alagado de ruas, quintais e bocejos sonolentos.


Chove lividamente sobre a baixada de homens gentis.
Cobre as camas, desfaz os leitos, sobrepôs angústias.
Eis um gole de cachaça, branquinha boa que penetra a alma e
aquece o corpo, recebe a enchurrada com a dose de fervor necessária.


A rua encoberta se desfaz e vira o que sempre foi: um igarapé oculto,
forma desfeita pelas mãos descuidadas e necessidades malditas dos maltrapilhos humanos.
Os quintais ao soçobrarem, se enchem e transbordam.
Resta, apenas, o grito comprido do "prego" encharcado no alto do biribazeiro.


A chuva alimenta o pega-pega dos moleques de rua,
na bola suada, na pira danada, na alegrada das brincadeiras
da água vadia.

Chove intensamente na nossa cidade triste.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Beira do Tapará

O Tapará é um dos afluentes do Tapajós. A poesia que segue marca o quanto o "mundo dos rios" que é a Amazônia:



Na pata do boi
da várzea crescente,
na malhadeira meeira do mundo
dos rios.

Canoas, rabetas nas águas barrentas,
Curumatá, surubim, pacú,
Pirapitinga do baixo rio.

Nas águas barrentas
do Amazonas sedento,
nas águas serenas
dos canoeiros velozes.

Na remação e no mata-mata
dos dias parados e
do brega rasgado.

Fundo de mata,
beira de rio
que na pata do boi
da várzea secante
se faz na remarcação daquele
mundo de rios.

Poronga com um punhado dӇgua
Pororoca da Invernada
Rio-mar dessa cantinga de beira-rio.