sábado, 20 de fevereiro de 2010

Inundação

A poesia que segue é, como tantas outras de gente daqui, marcada pelo pulsar das águas. O que infelizmente, pela pobreza econômica histórica, pela disfunção de nossas elites bestiais e pela ausência de muitos anos de planejamento para o desenvolvimento torna, como diz o poeta "nossa cidade triste". Boa leitura:


Chove copiosamente sobre Belém,
alagando as almas e inudando desejos,
Chove sofregamente numa cidade triste,
desfazendo aos poucos velhos quereres,
contradizendo antigas expectativas,
deixando o rastro alagado de ruas, quintais e bocejos sonolentos.


Chove lividamente sobre a baixada de homens gentis.
Cobre as camas, desfaz os leitos, sobrepôs angústias.
Eis um gole de cachaça, branquinha boa que penetra a alma e
aquece o corpo, recebe a enchurrada com a dose de fervor necessária.


A rua encoberta se desfaz e vira o que sempre foi: um igarapé oculto,
forma desfeita pelas mãos descuidadas e necessidades malditas dos maltrapilhos humanos.
Os quintais ao soçobrarem, se enchem e transbordam.
Resta, apenas, o grito comprido do "prego" encharcado no alto do biribazeiro.


A chuva alimenta o pega-pega dos moleques de rua,
na bola suada, na pira danada, na alegrada das brincadeiras
da água vadia.

Chove intensamente na nossa cidade triste.

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